Arraial do Banho de São João: uma festa do povo corumbaense

Depois de dois finais de semana no Jardim Caipira, o Arraial do Banho de São João é atração a partir desta quarta-feira (22), na estrutura montada pela Prefeitura de Corumbá, no Porto Geral, às margens do Rio Paraguai. Festa com o mesmo apelo popular das manifestações nordestinas,  é uma tradição única da cidade, no Mato Grosso do Sul, e de alguns municípios do estado vizinho, Mato Grosso, por influência portuguesa. Mistura ameríndia – daí a presença do cururu nas cerimônias de içamento do mastro e das rezas nas casas -, sacro-profana – da ladainha cantada pausadamente ao ritmo carnavalesco – e o sincretismo religioso, que marcou o período de escravidão no Brasil.

Corumbá, todos os anos, se prepara para a grande festa. O ritual de homenagem a São João começou no dia 10, com a abertura do Jardim Caipira, na Praça da Independência, que se tornou, nos últimos dois finais de semana, ponto de encontro da família corumbaense e palco de inúmeras manifestações culturais, envolvendo crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Teve prosseguimento no dia 13 de junho, data dedicada a Santo Antônio. Neste dia, as famílias devotas iniciaram os preparativos para a festa que acontece esta semana, com cerimônias, nas quais, as imagens de São João são colocadas em um altar enfeitado de flores, armado em cima de um andor, com muita reza e apresentações dos cururueiros, grupos musicais tradicionais da região, que utilizam a viola-de-cocho como principal instrumento, além do ganzá e do adufo.

O ponto alto está marcado para a noite do dia 23, quinta-feira, quando mais de 100 andores deverão descer a Ladeira Cunha e Cruz, para o banho da imagem do santo nas águas do Rio Paraguai. Tudo isto começa no início da noite do dia 23 e termina na madrugada do 24. A previsão é que mais de 40 mil pessoas passem pelo Porto Geral no dia. O ritmo carnavalesco que sucede a ladainha, na descida da imagem de São João à beira do Rio Paraguai, não foi muito bem compreendido por um pároco, há algumas décadas, que chegou a proibir tal manifestação evocando os princípios da Igreja. Mas, prevaleceria o desejo popular de festejar – com todo respeito e devoção – a seu modo o São João Pantaneiro. Tradição que vem da época da colonização da disputada fronteira.

A louvação ao santo tem dois momentos marcantes, durante a procissão pelas ruas da cidade. Ouve-se primeiro a ladainha: "Deus te salve João/Batista sagrado/O teu nascimento/Nos tem alegrado". Logo, a banda imprime um ritmo carnavalesco e o povo pula de alegria, cantando: "Se São João soubesse que hoje era o seu dia/ Descia do céu à terra/Com prazer e alegria". O tradicional hino foi recolhido pelo professor Valmir Corrêa.

São João Batista era filho de Zacarias e Isabel, e primo de Jesus Cristo. O Evangelho de São Mateus fala das pregações e dos batismos que João realizava às margens do rio Jordão, entre os quais está o batismo do próprio Cristo. Considerado o último dos profetas e o primeiro apóstolo, São João Batista foi decapitado por capricho de Salomé, casada com Herodes. O santo é homenageado pelos católicos no dia 24 de junho.

Assim como se acredita que a água do Rio Jordão adquiriu poder curativo em contato com o corpo de São João Batista, o corumbaense tem a mesma crença em relação ao caudaloso rio Paraguai. As crendices e superstições que dominam os festejos na mágica noite do dia 23 são arraigadas em Corumbá, onde São João também assume papel de casamenteiro. Depois do banho sagrado, um dos momentos mais significativos é o içamento do mastro com o sapateado dos cururureiros, que entoam cânticos indígenas. Aqui, afloram todas as manifestações, mesclando alegrias e esperanças, a satisfação no cumprimento da "obrigação".

Casamenteiro

Durante o banho, o povo entra na água, toca a imagem, se percebe a religiosidade dominante. Aos gritos de "Viva São João", escuta-se batuque da umbanda na beira do rio, anunciando a presença de entidades num grande terreiro. Os pagadores de promessas se ajoelham com emoção e fé fervorosa. O andor retorna para a casa do festeiro, subindo a ladeira, onde é tradição cumprimentar quem desce, até a madrugada do dia 24.

Entre as mais conhecidas superstições juninas, estão as relativas a casamento. Diz a lenda que mocinhas casadouras precisam passar por baixo do andor do santo durante o banho do rio, para encontrarem o futuro esposo antes do próximo festejo.

Skip to content