Escrito por Guilherme P. Giovanni*
Há um ano e meio, Corumbá recebeu um presente chamado ESPERANÇA. Era o começo das atividades do projeto Habilitar, que vinha para acolher e tratar as nossas crianças e adolescentes com problemas de dependência química, assim como dar suporte às suas famílias. O natal e o fim de ano se aproximam e isso sempre nos remete a reflexões, balanços, ponderações, perdão e expectativa de dias melhores. Vou aqui insistir na palavra ESPERANÇA, porque assim como a fé, ela é que nos faz caminhar, confiar, enfim, é a nossa grande consoladora.
O Habilitar hoje tem esse significado para todos que aqui chegam. Quantas vidas já foram tocadas por essa esperança? Infelizmente, a doença que os traz aqui é feroz, devora tudo: sonhos, infância, liberdade, saúde e, algumas vezes, a vida. Lutamos todos os dias para devolver um pouquinho disso tudo àqueles que nos procuram e, quando nos perguntam se alguém aqui já foi curado, a resposta é simples: sim, todos os dias alguém é curado. Isso deve ser dito com muito entusiasmo, porque aquele que não tinha comida em casa está sendo curado da fome; aquele que foi privado de afeto, está sendo curado da dor; ou ainda, aquele que foi desacreditado por todos, também está sendo curado do preconceito.
Cada mudança, por menor que seja, deve ser considerada, comemorada e exaltada. Estamos aqui para melhorar a qualidade de vida de todos, e isso acontece de forma gradativa. Aprendemos a sorrir e a chorar junto a cada um que passa por nós, afinal, são vidas fragilizadas física e mentalmente. Cada passo é discutido, não podemos nos dar por vencidos pelos lapsos e recaídas. Nosso objetivo é ser a pilha desse presente, uma pilha que é recarregada a cada resgate, a cada transformação e que nos motiva a continuar lutando contra a ferocidade que a droga impõe à vida dessas pessoas.
O Habilitar é a segunda casa de todos, o lugar onde reaprendemos a viver, mudamos conceitos, tornamo-nos mais humanos e solidários, isso é uma virtude que ninguém nos tira, assim como a esperança de ver nossos meninos resgatando sonhos e fazendo planos para uma vida digna e feliz, como são merecedores. Gostaria de terminar este texto com uma citação que mostra a ESPERANÇA em Moçambique depois de uma guerra civil que devastou aquele país e, das ruínas eles obtiveram a esperança, o sonho de um novo país que fosse como a fênix, renascendo das cinzas.
"Depois da guerra, pensava eu, restavam apenas cinzas, destroços sem íntimo. Tudo pesando, definitivo e sem reparo. Hoje sei que não é verdade. Onde restou o homem sobreviveu semente, sonho a engravidar o tempo. Esse sonho se ocultou no mais inacessível de nós, lá onde a violência não podia golpear, lá onde a barbárie não tinha acesso. Em todo este tempo, a guerra guardou, inteiras, as suas vozes. Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram de mundo. No escuro permaneceram lunares. Estas falam desse território onde vamos refazendo e vamos molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual, assim: fingindo que está, sonhando que vai, inventando que volta". (Mia Couto, na introdução de seu livro ‘Estórias Abensonhadas', Editorial Caminho – Lisboa, 2002).
*Educador físico do projeto Habilitar