Festeiros colorem a orla em ritual de fé e alegria para celebrar São João Batista

A cada andor que descia pela ladeira Cunha e Cruz, muita alegria é fé ao som da tradicional ladainha que todo corumbaense desde cedo aprende a cantar: “Deus te salve João/Batista Sagrado/O seu nascimento/Nos tem alegrado//Se São João João soubesse/Que hoje era seu dia/Descia do Céu à Terra/Com Prazer a Alegria”.  

 

Um, dois, três, quatro, cinco ou mais se encontravam na via que levava à prainha do Porto Geral promovendo a festa para os devotos que acreditam que a passagem por baixo dos andores traz saúde, proteção e até mesmo casamento para as moças solteiras.

 

A corumbaense Márcia Brasil garante que o santo é poderoso, pois em 2013 passou em baixo dos andores e, neste ano, já pôde curtir a festa com alguém especial: o namorado Daniel. “Ano passado, eu criei coragem e passei em dois. Arranjei o namorado e agora estou aqui para passar com ele novamente e casar. Agora, cumprindo a tradição à risca, passando em baixo de sete”, contou a jovem que trouxe com ela amigos de outras cidades para conhecer a festa popular.

 

Nascido em Três Lagoas, porém morando em Corumbá pouco mais de um ano, Erison Carlos dos Santos Monteiro, quis se vestir a caráter para conhecer a tradicional festa corumbaense e não dispensou o chapéu de palha. “Quando a gente vem tem que participar de verdade, isso é muito mais legal. Nesse um ano e pouquinho que estou aqui, percebi que Corumbá tem festas bem animadas, porém com trações culturais muito fortes. Não é  uma simples festa, tem cultura e tradição no meio, isso é o que é mais legal”, comentou o rapaz.

 

Durante toda à noite, dezenas de devotos coloriram e alegraram a ladeira e a prainha do Porto Geral e, se nesse trajeto, os andores se encontravam em rumos diferentes (um subindo e outro descendo), a tradição manda que eles se cumprimentem através do gesto de subir a baixar a estrutura que carrega a imagem do santo por três vezes seguidas. Um gesto de reverência à imagem devotada por outro festeiro e toda sua comunidade que descem anualmente ao rio Paraguai para o ritual do banho de São João, que simboliza a passagem bíblica do Batismo.

 

Cada andor tem muita história


A festeira Janete Tinoco é uma das mais tradicionais da cidade e herdou a devoção da mãe, dona Hermínia, que iniciou os festejos há mais de 60 anos. Janete conta que tentou parar com os festejos depois de cumprir sete anos com a promessa herdada da mãe, porém São João intercedeu na vida da família.

 

“Eu desmanchei o andor, conversei com o pessoal e falei que seria o último ano porque minha promessa estaria cumprida, mas minha filha teve uma crise tão feria que caiu na rua e praticamente morreu. A levamos para o Pronto-Socorro e quando voltei à casa para buscar uma roupa limpa pra ela…eu me emociono todas às vezes que lembro…eu prometi a São João, aos pés da imagem, que se ele a salvasse, enquanto eu vivesse, eu ia fazer a festa para ele”, conta emocionada a festeira que faz do gesto da lavagem do santo nas águas do rio Paraguai uma renovação de fé.

 

“Mentalizo que, assim como eu estou lavando ele, estou jogando as águas, peço que ele me cubra com seu manto sagrado, que me limpe de toda imperfeição, de todas enfermidades…meus filhos, eu, a minha casa, a gente vai pedindo por todos”, revela a festeira.

 

Marilda Fonseca Herrera participou da festa mais um ano, porém de um jeito diferente. A irmã Ana Regina, que começou em 2005 a realizar a festa na família, faleceu em abril deste ano. “No leito de morte dela, eu prometi que iria continuar com a festa que ela iniciou quando alcançou uma graça pela saúde de nossa mãe”, disse a festeira com os olhos marejados. “Poder realizar essa festa tem esse significado muito especial, que é a ligação com a memória de minha irmã através de tudo o que representa São João”, afirmou a festeira.

 

Muitos a chamam de “Dona Concha”, mas seu nome é Reginalda, porém ela nem se importa, afinal a confusão é motivo de orgulho, pois lembra a mãe que. por muitos anos. realizou uma tradicional festa junina no bairro Universitário. “Minha mãe, Conceição, a dona Concha, já havia herdado a festa de minha avó. Eu segui com os festejos devido à devoção que ela me ensinou a ter com São João e eu fiz o mesmo com minha filha que já realiza uma festa somente para as crianças, preparando as futuras gerações”, contou Reginalda que desceu a ladeira ao romper dos fogos de artifício que anunciavam a chegada de 24 de junho, dia de São João.

 

Com diversas histórias como essas, a festa de São João em Corumbá prova ser uma herança cultural das mais genuínas e vivas do nosso país, por isso o município está pleiteando junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) o reconhecimento como Bem Cultural Imaterial Nacional. A mais ampla e completa pesquisa sobre os festejos de São João em Corumbá está sendo realizado em parceira com a UFMS e demais institutos para embasar o dossiê que respaldará o pedido junto ao órgão federal. Relatos de festeiros e o georreferenciamento sobre os locais onde são realizadas cada festa já começaram a ser levantados (para saber mais sobre isso, clique aqui).

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