Povo das Águas: piracema e seca mudam rotina de ribeirinhos

"Até março a gente se vira como pode". A afirmação do pescador Daniel Pillar Martins, de 46 anos, refere-se ao período da piracema, iniciado no dia 05 de novembro e que termina em 28 de fevereiro de 2012. Ao longo desses quatro meses a pesca comercial fica proibida nos rios do Mato Grosso do Sul para a procriação do pescado. Residente na região de Porto Morrinho, onde nasceu e vive até hoje, Daniel não é contemplado pelo seguro-defeso, benefício pago aos pescadores profissionais do Estado.

"É difícil pra gente ir até a cidade, mexer com a documentação e resolver esta situação. Então vamos nos virando por aqui mesmo do jeito que dá", descreveu o ribeirinho, um dos beneficiados pela 15ª edição do Programa Social Povo das Águas, iniciativa da Prefeitura de Corumbá voltada aos munícipes residentes em locais de difícil acesso da planície pantaneira. Além de atendimento médico e odontológico, o pescador recebeu uma cesta básica com diversos alimentos que, segundo ele, são "uma mão na roda para vencer o tempo sem trabalhar".

"Com o reforço de um ou outro peixe, dá para levar essa cesta até o fim da piracema", continuou o pantaneiro. A pesca de subsistência é permitida em toda a bacia hidrográfica do rio Paraguai, de forma desembarcada ou em barco a remo, desde que utilizando exclusivamente apetrechos do tipo caniço simples, linha de mão e anzol. Nesses casos, a cota diária permitida por pescador é de três quilos de pescado ou um exemplar de qualquer espécie, respeitados os tamanhos mínimos estabelecidos pela legislação.

Outra peculiaridade vivida pelos ribeirinhos nesta época do ano é a seca. Em alguns locais o leito do rio baixou mais de três metros em menos de seis meses. Em junho, quando o Povo das Águas atendeu a região baixa do Pantanal pela primeira vez no ano, a residência do casal Julia Souza, 56 anos, e Carmelindo Soares, 60, estava pelo menos 30 centímetros embaixo d'água. Hoje um enorme barranco separa a casa deles do rio Paraguai.

"Baixou muito e acho que ainda seca mais um pouco", previu o senhor, sempre atento às previsões trazidas pelo rádio de pilha. O aparelho funciona graças a uma antena artesanal, feita com fios de cobre, construída pelo próprio morador. Recém operado, Seu Carmelindo ainda tem dificuldade para passar horas na canoa em busca do alimento para a família. "Quem está tocando as coisas aqui sou eu", contou Dona Júlia. A batalha dos dois começa assim que saem de casa.

O barranco, extremamente arenoso, é um desafio para qualquer um. "Ele desce e sobe isso bem devagar porque operou da próstata e não pode fazer força. Cair então, nem pensar", explica a senhora, simpática e sorridente, apesar das dificuldades. E os dois nem cogitam deixar o local. "Estamos aqui há dois anos. Ao mesmo tempo que enfrentamos dificuldades, temos coisas muito boas. Depois que a água baixou já plantamos banana, mandioca e abóbora. E o rio também garante a carne de todos os dias. A mistura veio com o Povo das Águas", comemorou Carmelindo.

A 15ª edição do Programa Social foi a última de 2011. A equipe da Prefeitura de Corumbá atendeu os ribeirinhos do Alto, Médio (Taquarí) e Baixo Pantanal, onde cada região recebeu três visitas ao longo do ano. Todas as famílias cadastradas pela Defesa Civil receberam assistência médica, odontológica e social. As secretarias de Saúde, Educação, Assistência e Cidadania e da Fundação de Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário participaram da ação, coordenada pela Secretaria Especial de Integração das Políticas Sociais.

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