Quando os piloteiros amarraram as cordas das três voadeiras nas estacas do porto Bananal, na margem mato-grossense do Rio São Lourenço, já passavam das 18 horas do dia 1º de dezembro. Desde a partida de Corumbá no dia anterior até aquele momento, os seis profissionais do Programa Social Povo das Águas, da Prefeitura Municipal, completavam 32 horas de viagem para levar atendimento em saúde e assistência social a esparsas famílias ribeirinhas do extremo Pantanal Norte, deparando-se com situações de completa miséria e carência. Pantaneiros que parecem viver com o único propósito de se esconder do mundo, ou melhor, parecem viver sem propósito, sem produzir e consumir.
Em todo o curso do rio, ao longo de uma tarde inteira, apenas cinco famílias de pescadores para subsistência receberam serviços médicos, remédios, vacinas e itens de primeira necessidade, de cestas básicas a kits de higiene pessoal. No entanto, a situação que mais chamou a atenção da equipe foi a do índio guató Vicente Manoel da Silva, 65 anos, que mora com a mãe Julia da Silva – cuja idade nenhum dos dois sabe precisar – em um casebre de seis metros quadrados com duas camas de madeira e barro, uma rede, uma fogueira no chão e pelo menos uma dúzia de filhotes de gato. A sobrevivência vem da pesca e da caça de jacarés e capivaras, nada mais.
"Pescar aqui só mesmo para comer, pois não tem para quem vender. Quando a lancha passava eu até vendia, mas depois parou de passar e agora só para comer", diz o morador, contando que tem sobrevivido por todos esses anos com o mínimo do mínimo. Depois de ser examinado, vacinado e receber cesta básica, roupas, kits de higiene pessoal e de limpeza, ele apanha das mãos da enfermeira diversos frascos de medicamentos para uso cotidiano, tão incomuns em sua vida, e pacotes de soro fisiológico, seguidos das explicações sobre a utilização. Com mais ou menos higiene, mas nas mesmas condições de carência, a história se repete entre os demais moradores da região.
É assim com José Gomes da Silva, 61 anos, que mora com a esposa e uma dos cinco filhos e diz que só vai à cidade quando fica doente, o que ainda é raro. No caso dele, a diferença é que à pesca ele acrescenta "criação e plantação", ou seja, algumas galinhas e porcos e um razoável pomar. "Aqui o isolamento é demais e a gente só vê remédio e vacina quando vem o pessoal da Prefeitura", conta. "Transporte aqui é só uma vez por semana e a viagem de ida e volta dura cinco dias. Graças a Deus veio a ação Povo das Águas para trazer o que precisamos e não podemos buscar", acrescenta Zenaide Rodrigues, 36 anos, mãe de seis filhos, com a mesa cheia de remédios.
Para a enfermeira Elizângela Lira Bonifácio, responsável pela equipe de saúde da ação, o maior benefício do programa, muito mais do que os itens entregues, é conscientizar os moradores de que ser pobre ou morar tão longe da cidade não significa viver na miséria, na sujeira, na total falta de organização em casa e de uma rotina que qualquer família deve ter da hora em que acorda à hora de dormir. "Não é assim em todas as casas, mas as situações que observamos nos mostram que, no próximo ano, precisamos evoluir do assistencialismo para a assistência social mesmo, ou seja, para educar essa população sobre o que é ser cidadão e vencer a miséria", afirma.
Elizângela acredita que, da primeira ação em julho deste ano para esta, os ribeirinhos já percebem que a equipe da Prefeitura não está passando de forma isolada, mas que se trata de uma iniciativa para melhorar a qualidade de vida deles. "Estamos mostrando que não é necessário ter o remédio diário, e sim hábitos alimentares e de higiene saudáveis", diz, enquanto a pedagoga Elisama de Freitas Cabalhero, assessora da Secretaria Especial de Políticas Sociais e coordenadora da equipe, acrescenta: "Tanto esforço e tamanha distância para atender tão poucas pessoas é justamente o objetivo do nosso trabalho: atender quem sempre foi esquecido, e contribuir para mudar a vida dessas pessoas".