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O Arraial do Banho de São João começa no próximo sábado, 20 de junho, em Corumbá e vai até dia 24, com o tradicional banho no santo nas águas do rio Paraguai, relembrando o batismo de Cristo por São João Batista. A festa leva milhares de pessoas ao Porto Geral, dotado de barracas de quentão, arroz de carreteiro, paçoca, e outros, típicos das festas juninas, embalados ao som da viola de cocho para a dança do siriri e cururu e da quadrilha, além do concurso de andores, iluminados com fogos de artifício e muita alegria.
O Arraial é uma realização da Prefeitura Municipal e, na terça-feira, a Fundação de Cultura e Turismo do Pantanal se reúne terça-feira, 16 de junho, às 15h horas, com os festeiros de São João cadastrados pela Superintendência de Cultura. O encontro vai definir cronograma das festas e o repasse financeiro para cada família. A reunião acontece no Instituto Luis de Albuquerque (ILA), localizado na Rua Praça da República, 119, no Centro.
O destaque da festa é reservado para a noite de 23 de junho, quando acontece a descida dos festeiros com imagens do Santo, em direção ao Porto Geral, para o tradicional banho nas águas do rio Paraguai, inclusive do do andor oficial da Prefeitura, que abre a cerimônia, com direito a içamento do mastro. É o momento em que a reza e as manifestações sacro-profanas cessam para se ouvir a viola-de-cocho e o ganzá na cantoria dos cururueiros, sob o comando do mestre Agripino Magalhães.
O “batismo” do santo não tem um sincronismo, vai da vontade de cada comunidade festeira. Mas a maioria desce a Ladeira Cunha e Cruz depois do andor oficial, congestionando o acesso ao rio pela prainha. A manifestação cessa depois da meia-noite, com os devotos e os visitantes se deslocando para o palco, onde acontecem os shows.
Toda a programação será anunciada esta semana pelo prefeito Ruiter Cunha de Oliveira. A expectativa é que, mais uma vez, a festa atraia milhares de turistas a Corumbá para prestigiar uma das maiores manifestações brasileiras.
Tradição
Festa com o mesmo apelo popular das manifestações nordestinas, o Arraial do Banho de São João é uma tradição única de Corumbá, em Mato Grosso do Sul, e de algumas cidades do estado vizinho, Mato Grosso, por influência portuguesa. Mistura ameríndia – daí a presença do cururu nas cerimônias de içamento do mastro e das rezas nas casas -, sacro-profana – da ladainha cantada pausadamente ao ritmo carnavalesco – e o sincretismo religioso, que marcou o período de escravidão no Brasil.
A Capital do Pantanal, Corumbá, todos os anos se prepara para quatro dias de festa. O ritual de homenagem a São João começa no entardecer do dia de Santo Antônio, 13 de junho. As famílias devotas preparam uma cerimônia, na qual uma imagem é colocada em um altar enfeitado de flores, armado em cima de um andor. Enquanto isso, uma rezadeira puxa as rezas ao santo, seguida pelos cururueiros, grupos musicais tradicionais da região, que utilizam a viola-de-cocho como principal instrumento, além do ganzá e do adufo.
O ponto alto é a descida dos andores até o rio Paraguai para o banho da imagem, que começa na noite do dia 23 e termina na madrugada do 24, atraindo milhares de pessoas ao Porto Geral. Depois de sofrer descaracterizações e afastamento do povo, o banho retorna às suas origens, que são as novenas e o envolvimento dos festeiros na preparação dos andores.
O ritmo carnavalesco que sucede a ladainha, na descida da imagem de São João à beira do rio Paraguai, não foi muito bem compreendido por um pároco, há algumas décadas, que chegou a proibir tal manifestação evocando os princípios da Igreja. Mas, prevaleceria o desejo popular de festejar – com todo respeito e devoção – a seu modo o São João Pantaneiro. Tradição que vem da época da colonização da disputada fronteira.
A louvação ao santo tem dois momentos marcantes, durante a procissão pelas ruas da cidade. Ouve-se, primeiro a ladainha: “Deus te salve João/Batista sagrado/O teu nascimento/Nos tem alegrado”. Logo, a banda imprime um ritmo carnavalesco e o povo pula de alegria, cantando: “Se São João soubesse que hoje era o seu dia/ Descia do céu à terra/Com prazer e alegria”. O tradicional hino foi recolhido pelo professor Valmir Corrêa.
São João Batista era filho de Zacarias e Isabel, e primo de Jesus Cristo. O Evangelho de São Mateus fala das pregações e dos batismos que João realizava às margens do rio Jordão, entre os quais está o batismo do próprio Cristo.
Considerado o último dos profetas e o primeiro apóstolo, São João Batista foi decapitado por capricho de Salomé, casada com Herodes. O santo é homenageado pelos católicos no dia 24 de junho.
Água benta
Assim como se acredita que a água do rio Jordão adquiriu poder curativo em contato com o corpo de São João Batista, o corumbaense tem a mesma crença em relação ao caudaloso rio Paraguai. A pesquisadora do folclore local, Eurice Ajala Rocha, relata que esse sentimento de religiosidade e misticismo está atrelado ao próprio ambiente, onde o principal rio da região representa o elemento-base da vida material para o homem do Pantanal.
“O pantaneiro acumulou conhecimento pela própria experiência e vivência em função do rio, um bem inestimável que fecunda a terra com suas enchentes periódicas, fonte de alimentação e o caminho natural entre as fazendas e zona ribeirinha”, explica ela. “Ele faz dessa faina não só o seu meio de manutenção, mas o grande significado da própria existência, assim como a água tinha destaque na colheita de grãos nas festas pagãs, na Europa”.
As crendices e superstições que dominam os festejos na mágica noite do dia 23 são arraigadas em Corumbá, onde São João também assume papel de casamenteiro. Depois do banho sagrado, um dos momentos mais significativos é o içamento do mastro com o sapateado dos cururureiros, que entoam cânticos indígenas. Aqui, afloram todas as manifestações, mesclando alegrias e esperanças, a satisfação no cumprimento da “obrigação”.
Casamenteiro
Durante o banho, o povo entra na água, toca a imagem, se percebe a religiosidade dominante. Aos gritos de “Viva São João”, escuta-se batuque da umbanda na beira do rio, anunciando a presença de entidades num grande terreiro. Os pagadores de promessas se ajoelham com emoção e fé fervorosa. O andor retorna para a casa do festeiro, subindo a ladeira, onde é tradição cumprimentar quem desce, até a madrugada do dia 24.
Entre as mais conhecidas superstições juninas, estão as relativas a casamento. Diz a lenda que mocinhas casadouras precisam passar por baixo do andor do santo durante o banho do rio, para encontrarem o futuro esposo antes do próximo festejo. “São João recebe mais pedidos que o próprio Santo Antônio”, diz Eunice Ajala. Acredita-se, também, que quem não enxergar a imagem do santo na água não estará vivo no ano seguinte.