Devoção, fé e sabedoria popular impulsionam festeiros

Devoção; fé e empirismo popular – que se manifesta nas crendices – formam a trindade que alimenta há mais de 100 anos a tradição de banhar a imagem de São João nas águas do rio Paraguai, no Porto Geral em Corumbá. Os elementos ligados à religiosidade e sabedoria do povo (que habitualmente é chamada de folclore) permeiam todo o ritual dos festeiros, desde a preparação do andor sagrado ao banho no rio.

Nas casas das famílias festeiras, ainda que de forma involuntária, essa vertente do sincretismo se configura na principal característica das homenagens. Misturam-se cânticos religiosos; orações; histórias de fé em milagres operados pelo santo que, segundo a Bíblia, batizou Jesus Cristo no rio Jordão, e “ingredientes” da cultura popular como fogueira; içamento do mastro; dança de quadrilhas juninas e fogos de artifício. Graças alcançadas – que aí simbolizam devoção e fé – são os motivos para dedicar festas para São João Batista ao longo de uma vida inteira.

Graças alcançadas

O cortejo junino promovido pelo radialista Pedro Paulo Miranda, o “Pepê”, e pela irmã Rita Joana completou 43 anos nesta segunda-feira, 23 de junho. Começou quando a mãe deles, “dona Carlinda”, da Tenda Espírita Caboclo Estrela do Norte, fez promessa e pela saúde do filho e teve o pedido alcançado. A partir daí a mãe, que faleceu em dezembro de 2001, começou a organizar as procissões que levam a imagem de São João, sobre um andor, para ser banhado nas águas do rio Paraguai. Inicialmente seria por sete anos, mas o costume atravessou o tempo e hoje é celebrado no bairro Nossa Senhora de Fátima, parte alta de Corumbá.

Um hábito iniciado pela avó, há pelo menos sete décadas, é mantido anualmente pela festeira Reginalda Mendes Vera com a realização do “Arraial da Nhá Concha” no bairro Universitário. Depois da avó a festa passou para a prima que fez promessa para resolver um problema de saúde do filho, devendo render homenagens por sete anos. Passado o período e com o pedido atendido, a celebração parou. “Dona Concha”, mãe de Reginalda; resolveu assumir os festejos declarando: “São João, eu vou pegar sua festa, embora com sacrifício, mas vou fazê-la todos os anos”. Com o falecimento da mãe em 2008, a atual festeira deu seqüência à tradição.

Promessa da avó Maria Mendes Vasquez – feita a cerca de 70 anos – que pedia saúde a um sobrinho doente, também motivou a família de Anne Aparecida Duarte a levar um andor para banhar a imagem sacra no rio. “Temos muita fé e se temos problemas nos apegamos a ele [São João], que nos atende”, explicou Anne lembrando que todos em sua casa têm devoção ao santo e são católicos de “muita fé em Deus”. As celebrações acontecem sempre na rua Delamare, próximo à ladeira Dona Emília.

Três vezes consecutivas vencedor do Concurso de Andores da Prefeitura, o jovem Alfredo Ortiz Ferraz mantém o costume de 60 anos do avô com a festa de São João na rua Monte Castelo, no bairro Popular Velha. “Cresci neste espírito junino e de devoção a santo e não quero que isso acabe”, contou.

Sabedoria popular

Todas as celebrações incorporam figuras da crendice popular trazendo fogos de artifício, que, pela tradição tem no barulho o poder de espantar maus espíritos e acordar São João para a festa. O levantamento do mastro simboliza o desejo de fertilidade da terra, de boa colheita. O próprio banho do Santo é carregado de simbolismo e lembra o batismo de Cristo.

No momento em que a imagem é banhada, a água do rio passa a ter poderes curativos e, por essa razão, os participantes molham os pés, o rosto e outras partes do corpo. Os fiéis e devotos, já carregando o andor, dão três voltas em torno da fogueira e do mastro erguido na frente da casa e seguem para o Porto Geral.

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