Servidor: Sensibilidade para lidar com a dor e o desespero alheios

Especial Servidor Público

"Faço o que amo e, quando acordo, penso: ‘Que ótimo que tenho mais um dia para ir cuidar dos meus pacientes'"

Nada parecia diferenciar aquela noite de outras tantas em que Jorcinei Silva Costa, morador de rua havia vários anos, estava para adormecer em um dos cemitérios de Corumbá, sob o pesado efeito de drogas e álcool. Um fato aparentemente insignificante, no entanto, mudaria o rumo de sua vida para sempre, após 22 anos de dependência química extrema. Em um pedaço de jornal velho, ele conseguiu ler que uma clínica de recuperação de dependentes acabara de ser inaugurada na cidade: tratava-se do Centro de Atendimento Psicossocial – Álcool e drogas (CAPS ad).

"Durante todos aqueles anos, a droga levou tudo: minha família, minha casa e a confiança que as pessoas depositavam em mim. Fui morar na rua, fui para a cadeia, voltei para a rua e estava pronto para morrer", conta Jorcinei, hoje com 41 anos, funcionário público municipal, que atua como técnico de serviços gerais na rodoviária local. "Quando vi a notícia, fui o mais rápido que pude pedir ajuda. Lá fui tratado como ser humano, recebi toda ajuda de que precisava e, após um ano e meio, era um novo homem, um cidadão outra vez", acrescenta.

A história é uma das muitas que a psicóloga Silvia Araújo Freire vivenciou ao longo de quase quatro anos como coordenadora da unidade de saúde. "Lembro-me que, quando chegou aqui, ele tinha acabado de revirar o lixo à procura de comida. Nossa primeira atitude foi higienizá-lo e, logo em seguida, ele iniciou o tratamento, tomando a medicação corretamente, mesmo sendo morador de rua. Assim, cumpriu a pena, recuperou-se, tornou-se servidor público e foi até contemplado com uma casa da Prefeitura Municipal", conta.

Para Silvia, são histórias como a de Jorcinei que a fazem acordar e pensar: "Que ótimo que tenho mais um dia para cuidar dos meus pacientes". Realizada e satisfeita por fazer o que ama e contribuir para mudar a vida de pessoas em estágios graves de degradação, ela explica: "Aqui no CAPS, nós nos propomos a servir ao outro, cientes da necessidade de sermos sensíveis e dispostos a tudo, pois a saúde é uma área que envolve muita fragilidade. Temos que ser o esteio daqueles que nos procuram cheios de dor e angústia".

O resultado de tal dedicação, Jorcinei resume: "Hoje posso dizer que reconquistei meu espaço, não moro mais na rua, tenho a minha própria residência, as minhas coisas, a minha cama. Ninguém passa por mim e me chama de vagabundo e de cachorro como antes. Agora recebo confiança e respeito, e o mais importante: já tenho uma nova família".

"Eu dormia no cemitério, pronto para morrer. Agora recebo confiança e respeito, e o mais importante: já tenho uma nova família"

(Fatos narrados em dezembro de 2010)

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