O Jardim da Independência foi reaberto na noite de ontem, 29 de julho, em Corumbá. Esta foi a primeira obra do PAC das Cidades Históricas concluída pela Prefeitura, em parceria com o Governo Federal, que propiciou o resgate da rica história da maior cidade pantaneira. E o que poucos poderiam supor é que a beleza do Jardim da Independência, construído há mais de 100 anos no centro da cidade, viria da concepção de um dos mais importantes naturalistas que atuou no Brasil nas últimas décadas do século XIX, o francês Auguste François-Marie Glaziou.
Conhecido como “Jardineiro do Império”, Glaziou trouxe ao paisagismo brasileiro o que tinha de mais moderno nas praças francesas: alamedas recurvadas e sinuosas em torno de jardins ovalados; concavidades e elevações que se permeavam a lagos, fontes, cascatas; elementos ornamentais de ferro fundido; dentre outras características marcantes, muitas delas observadas no Jardim da Independência de Corumbá por Carlos Fernando Delphim, engenheiro e arquiteto especialista em Praças Públicas, há época a serviço do IPHAN.
O projeto de requalificação do Jardim, com o objetivo de resgatar e preservar a história desse patrimônio, respeitou todos os conceitos de Glaziou.
Esculturas – As esculturas em mármore Carrara, vindas de Pisa, na Itália, que representam as quatro estações do ano, é bastante característico de Glaziou e estão presentes também num dos principais projetos do paisagista: Campo de Santana, no Rio de Janeiro (atual Praça da República).
O restauro dessas esculturas que estavam sujas e gravemente danificadas foi realizado pelo restaurador italiano Walter Rosas, que vive no Brasil há alguns anos, dotado da atribuição e capacidade técnica exigida pela Fundação de Desenvolvimento Urbano e Patrimônio Histórico à empresa contratada.
O primeiro passo foi o tratamento químico com biocida, remoção mecânica com escova de fibra sintética e bisturi. Em uma segunda etapa, nova limpeza com produtos tensioativo; para as crostas mais duras, polpa de celulosa; em seguida, remoção de estratificações do óxido de ferro com ácido ‘oxálico’.
Em uma quarta etapa, ocorreu a consolidação capilar da matéria marmórea com substância “silicato de etile”, capaz de reconstruir a estrutura química do material. A quinta, para integração plástica das rachaduras absolutamente declaradas não miméticas do tipo arqueológico, foi utilizado material especifico de restauro. Por fim, o acabamento com cera de origem inorgânica transparente e hidro-repelente, próprias para esse tipo de esculturas.
Em relação às partes faltantes das esculturas, como dedos, parte de rosto, e até mesmo braços, seguiram-se as teorias de restauro pela não restituição, sob pena de descaracterização desse tipo de obra.
Monumento a Antonio Maria Coelho – O monumento em referência a Antonio Maria Coelho, estátua em bronze do herói da Retomada de Corumbá, que apresentava um elevado estado de oxidação da superfície, com a típica coloração verde claro embaixo dos vernizes, foi recuperado pelo mesmo restaurador especialista Walter Rosas.
As etapas cumpridas por ele foram: tratamento químico e mecânico com remoção das camadas de tinta, utilizando produtos e aparelhos de microretífica; tratamento químico de limpeza com material tensioativo, adicionado de material inibidor do processo de oxidação do metal.
Ainda para o acabamento e proteção da estátua, aplicou-se cera específica para artefatos em bronze, aditivada de produto acetinado para obtenção de efeito do envelhecimento natural do bronze em áreas abertas.
Na base em granito, tratamento químico com biocida e remoção mecânica com escova de fibra sintética e bisturi; limpeza química e mecânica com produtos próprios, água de alta pressão, escova com fibra de vidro e bisturis.
A partir de registros fotográficos históricos, foi possível fazer a réplica da base do monumento, recompondo os elementos decorativos característicos e serviço de manutenção dos dedos da mão direita. Identificou-se a falta de alguns acessórios como a réplica da espada de Antonio Maria Coelho.
Coreto – O Coreto, em ferro fundido, vindo da Alemanha, passou por restauro com a retirada das camadas de tinta e a recuperação das partes metálicas. O pináculo, que havia sido derrubado pelo vento há anos, foi totalmente recuperado, inclusive com réplica das partes faltantes, o que foi possível a partir de registros fotográficos antigos.
Por ser um elemento emblemático, foi realizado um cuidadoso estudo de cores, visando à valorização do monumento e a proteção do ferro fundido (a utilização de duas cores realça os elementos decorativos do monumento) e de iluminação cênica, com a utilização de lâmpadas de led na parte interna e externa da cúpula e spots embutidos para valorizar os pilaretes.
Paisagismo – Foi feita, em toda a grande extensão de mais de 11.000m², a remoção e revolvimento do solo dos canteiros, com o plantio de grama amendoim, que é indicada para áreas de meia sombra e sol, respeitando a linha paisagística de Glaziou, que prioriza folhagens e ilhas verdes, a espécies florísticas.
Foram plantadas folhagens como “costela-de-adão”, em árvores de grande porte, e “singônio”, formando a bordadura do lago; foi feita complementação das mudas de bambu, preservando os 07 “tufos” ao redor do lago, característica marcante dos projetos de Glaziou; foram colocadas plantas ornamentais nas bases do Coreto, na base do Monumento a Antonio Maria e trepadeiras nos Pergolados.
Lago e Guarda-Corpo – Tanto o lago quanto os guarda-corpos das pontes são também traços peculiares de Glaziou. O restauro nesses elementos foi feito baseado em estudo de projetos desse paisagista, como a escolha das cores, a exemplo de recuperações ocorridas no Parque Municipal de Belo Horizonte, Quinta da Boa Vista e atual Praça da República, os dois últimos no Rio de Janeiro.
No lago, além de pintura, foi instalada comporta mecânica, iluminação embutida e os chafarizes foram totalmente recuperados.
Massa Terra – O Massa Terra em ferro fundido, utilizado para abertura das primeiras ruas de Corumbá, foi inteiramente recuperado. O trabalho foi focado na remoção das camadas de tinta e das áreas oxidadas, revertendo o estado avançado de corrosão em que se encontrava esse elemento histórico; realização de nova pintura, com base em estudo cromático; substituição de algumas partes metálicas; e proteção anticorrosiva do monumento.
Piso – O piso característico desse tipo de Praça é saibro. Porém, ao longo dos anos, ele foi sendo modificado para placas de concreto e pedras portuguesas. Em razão de ser melhor para manutenção e para a utilização da população, as pedras em pettit-pavet foram mantidas, tendo sido retirados apenas os desenhos indígenas Kadiwéus colocados recentemente e que destoavam da concepção original do Jardim.
Pergolados – A praça ganhou mais um espaço de convívio com a recuperação do pergolado: a estrutura de madeira que estava integralmente comprometida foi substituída por madeira de lei; a área recebeu calçamento e bancos, além de mudas de trepadeiras.
Obras de Manutenção – Além dos restauros conservativos, foram realizadas obras de manutenção do sistema de irrigação subterrâneo, automatizado e embutido, com sensores de chuva, controladores, bomba e instalação de mais de 1.400 aspersores nos canteiros, para melhor manutenção e desenvolvimento dos mais de 11.000m² de área verde nos canteiros da praça; instalação de postes para iluminação direta e indireta; reforma da área de jogos com a adequação da infraestrutura, assentamento de piso, iluminação e novas mesas de jogos, prestigiando a população que consolidou o espaço como local de encontro para confraternização e lazer.
Os postes instalados são de modelos discretos e contemporâneos, como orientam os estudos de recuperação do patrimônio histórico, no Brasil e no exterior, quando não há como recuperar os elementos originais. O elemento de clara intervenção atual impede a percepção de “falso histórico” e garante o destaque dos elementos que são, de fato, históricos. Os postes que se encontravam no Jardim da Independência eram inadequados e remetiam a tempos espúrios.